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10 de novembro de 2022

Gestão da renda da pessoa idosa institucionalizada e endividamento na terceira idade

Por: Mussa Agostinho Vaz Vieira, Centro Universitário UNA – Belo Horizonte – MG – Brasil

 

Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os brasileiros com 60 anos ou mais comprometem 77,7% da renda com despesas de habitação, alimentação e saúde, por isso, pessoas nessa faixa etária são mais afetadas pela inflação. Nesse grupo, a parcela maior da renda é gasta com habitação, energia elétrica, alimentação e medicamentos.

 

Agentes econômicos que viram o seu poder de compra diminuir, tendem a procurar créditos para mantê-lo com o orçamento equilibrado por um curto período. Por outro lado, o aumento da taxa de inflação leva a pressão para o aumento da taxa básica de juros, que é usada como taxa de referência para as operações financeiras. Com aumento da taxa básica de juros, os custos de créditos ficam mais elevados, impactando os endividados ou tomadores de empréstimos.

 

O governo federal publicou, no Diário Oficial da União (DOU), uma medida provisória (MP) que aumenta o valor máximo do crédito consignado (tipo de empréstimo em que a prestação é descontada diretamente da folha de pagamento) permitido para trabalhadores registrados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); funcionários públicos; segurados do regime próprio da previdência social dos funcionários públicos federais; e aos segurados do Regime Geral de Previdência Social (INSS).

 
 
 
“Empregados regidos pela CLT e servidores públicos podem comprometer o limite de até 40% da renda líquida, sendo 35% para empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado. Já os aposentados e pensionistas do Regime Geral de Previdência Social, assim como quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Renda Mensal Vitalícia (RMV) não podem ultrapassar o limite do valor de 45% dos benefícios. Desse total, 35% devem ser usados para empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis; 5% para operações (de saque ou despesas) contraídas por meio de cartão de crédito consignado e 5% para gastos com o chamado cartão de benefícios Geral de Previdência Social (INSS).” - Fonte da citação: Portal G1
 
 

Mas, o que se vê na prática, são outras formas de empréstimos que principalmente são oferecidos para os aposentados, os chamados “empréstimos no cartão de crédito” que acabam comprometendo mais de 50% da renda futura dos aposentados. O Banco Central é responsável pela fiscalização do cumprimento desse limite.

 

Este artigo tem por objetivo discutir o risco de endividamento das pessoas idosas e conscientizar os membros da família e as Instituições Longa Permanência para os Idosos (ILPIs) de quanto é importante cuidar dos recursos financeiros desse público.

 

O jornal Folha de São Paulo, em matéria publicada em junho de 2022, descreve que “a fila de endividamento de pessoas acima de 60 anos, muitos deles aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – cresceu entre 2021 e 2022, segundo dados da Serasa. Os números mais recentes mostram que, entre abril/2021 e abril/2022, a lista dos devedores nesta faixa etária ganhou 751.745 pessoas em um ano. Em abril de 2021, havia 10,7 milhões de pessoas acima de 60 anos inadimplentes”.

 
 
 

Número de devedores (em milhões)

 
 
 

abril/21

 

%

 

abril/22

 

%

 

Até 25 anos

 

7,8

 

12,38

 

8,5

 

12,86

 

De 26 a 40 anos

 

22,6

 

35,87

 

23,5

 

35,55

 

De 41 a 59 anos

 

21,9

 

34,76

 

22,7

 

34,34

 

Acima de 60 anos

 

10,7

 

16,98

 

11,4

 

17,25

 

Total

 

63

 

100

 

66,1

 

100

 
 

Fonte: Serasa Experian

 

Para o economista-chefe da Serasa Experian, Luiz Rabi, a inadimplência, de forma geral, está ligada à inflação e alta dos juros. No entanto, para ele, especialmente, na faixa acima de 60 anos, com a maioria aposentada, as dívidas são resultado direto da disparada de preços. “Basicamente é a inflação o principal fator. Foi justamente quando a inflação acumulada nos 12 meses superou os 10% que a inadimplência começou a subir, em outubro de 2021. Com inflação de dois dígitos, você não consegue acompanhar, os salários perdem poder de compra, porque o reajuste previdenciário não acompanha a inflação.”

Outro fator que pode explicar o aumento do número de pessoas acima de 60 anos com dívidas, é que, em muitos casos, o benefício do aposentado é a única fonte de renda de uma família que perdeu o emprego. Estudos mostram que no Brasil, 43% das pessoas idosas são responsáveis pelo sustento da casa, entretanto 51% destes idosos precisam de empréstimo para pagar as contas do mês. Com participação maior dos idosos no orçamento familiar, muitos acabam emprestando o seu nome para os filhos, netos e cônjuges realizarem compras ou até tomarem empréstimos.

 

Por outro lado, é comum as instituições financeiras ligarem frequentemente para casa dos aposentados e pensionistas oferecendo empréstimos facilitados e com juros “baixos”. Sem ter noção de quanto é realmente o custo do empréstimo, essas pessoas vulneráveis acabam contraindo a dívida. Empréstimo fácil e “barato” acaba por desorganizar as finanças pessoais e ser problema por muito tempo para a pessoa idosa vulnerável e sem orientação.

 

O empréstimo consignado é uma alternativa de crédito com custo menor, frente a outras alternativas de créditos como rotativo do cartão de crédito, cheque especial e empréstimo pessoal. O crédito consignado é uma alternativa de crédito exclusivo para aposentados e pensionistas do INSS, militares das forças armadas, trabalhadores assalariados de empresas privadas no regime CLT e servidores públicos. Optando pelo crédito consignado, o tomador de empréstimo autoriza a instituição credora a descontar as parcelas diretamente da sua folha de pagamento para quitação do empréstimo, o que reduz o risco dessa modalidade de empréstimo. Mas, por outro lado, a aposentadoria já fica comprometida para o pagamento das parcelas. A facilidade de contratação e do recebimento do dinheiro tornam a linha atrativa para as pessoas da terceira idade. Mesmo com risco menor para essa modalidade de crédito, atualmente, no crédito consignado, a taxa de juros varia entre 20% a 35% ao ano.

Apesar do limite de crédito não poder ultrapassar o percentual de 35% sobre o valor da aposentadoria ou salário, essa prática nem sempre é respeitada pelas instituições financeiras e muitos aposentados acabam comprometendo grande parte do orçamento mensal com parcela dos empréstimos consignados, uma vez que podem tomar empréstimos em diversas instituições financeiras. A falta de planejamento combinado com abuso por parte das instituições financeiras em facilitar o acesso ao empréstimo consignado pode levar ao desequilíbrio financeiro, acúmulo de dívidas e até depressão.

 

Com a perda de memória, os erros financeiros podem se tornar um grande problema. É muito complicado para a pessoa idosa aceitar que não está conseguindo fazer as mesmas coisas e que está com empréstimos que comprometem grande parte da renda. É nessa hora que a família ou a instituição que cuidam dos idosos precisam ajudar a pessoa idosa.

 

Às vezes, administrar as finanças na terceira idade pode ser um problema, dentro de um lar ou instituição. Crimes de natureza econômica e financeira que acontecem com as pessoas idosas, como apropriar do valor do benefício e contrair empréstimos em nome dos moradores, muitas vezes são cometidos pelos parentes mais próximos, tais como filhos, netos, sobrinhos e até em ILPIs. Aqui, lembramos que, de acordo com as premissas da Constituição Federal, no art. 115 da Lei 10.741, de 01/10/2003, “é dever da família, da sociedade e do Estado amparar e assegurar a participação de pessoas idosas na comunidade em que vivem, garantindo a eles o direito à vida, defendendo sua dignidade e seu bem-estar.”

Para muitas pessoas idosas que sofrem com a violência, a solução é sair do meio familiar e ser institucionalizada. Por meio de uma procuração e com o acesso fácil ao crédito consignado, as ILPIs conseguem pegar empréstimos em nome do assistido para sanar as dívidas do mesmo com a instituição. Essa prática além de ser crime, compromete a vida financeira futura do assistido.

 

Como deve ser feita a gestão da renda de um idoso que reside numa instituição de longa permanência?

 

Cada acolhido deve ter a sua própria conta bancária para recebimento do seu benefício, por isso, as ILPIs devem evitar manter uma única conta bancária para onde é transferido todo o benefício dos moradores.

 

Por meio de um contrato para prestação de serviço de assistência, as instituições que têm como missão a prestação de serviços de atendimento assistencial às pessoas idosas, podem solicitar a contribuição de até 70% dos residentes para ajuda no custeio da estadia. De acordo com o artigo 35, § 1° do Estatuto do Idoso, “a entidades filantrópicas, ou casa-lar, é facultada a cobrança de participação do idoso no custeio da entidade” e o parágrafo 2º determina que o idoso poderá colaborar com “até 70% de qualquer benefício previdenciário ou de assistência social recebido pelo idoso”.

 

As ILPIs devem auxiliar e acompanhar as pessoas idosas no saque da aposentadoria ou benefício e não sendo responsáveis pelo saque dos benefícios. Ou seja, o trabalho da ILPI é de auxiliar no saque dos benefícios nas instituições financeiras em caso da ausência da família da pessoa inabilitada.

 

Após o morador repassar 70% para a instituição, a mesma deve registrar o recebimento em um documento (recibo). Os 30% restantes devem permanecer na conta bancária do titular da conta, por motivo de segurança e privacidade. Os restantes 30% do benefício, devem ser destinados para aquisição de bens e serviços destinados à pessoa idosa, como compra de fraldas, itens de higiene pessoal, medicamentos, hospitalização e não para pagar contas das ILPIs. Esses gastos extraordinários têm que ser controlados em um orçamento pessoal para o morador, anexando as notas fiscais para comprovação dos gastos aos familiares e pessoas a fim.

 

É importante que a ILPI sempre faça um planejamento financeiro individual quinzenal ou mensal, com relação aos gastos previstos com despesas extraordinárias. Com esse planejamento financeiro, a instituição terá previsão se o benefício recebido pela pessoa idosa é suficiente para pagamento da sua manutenção e pagamento das despesas.

 

O que diz o Estatuto da Pessoa Idosa com relação a violência econômica e financeira?

De acordo com o art. 102 da Lei nº 10.741 de 01/10/2003, é crime “apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade”. Punição será reclusão de 1 a 4 anos e multa.

 
No caso do uso indevido de terceiros sobre o salário de aposentadoria dos idosos, o art. 104 da Lei nº 10.741 de 01/10/2003, é crime “reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida”. Punição de detenção de 6 a 8 meses e multa.

Os art. 106 e 107 da Lei nº 10.741 de 01/10/2003, orientam sobre o ato de fazer uma produção para fins ilícitos. Com a procuração, que pode ser particular ou realizada em cartório, a pessoa idosa que não quiser ou que for considerada incapaz, geralmente elege alguém próximo, se tal indivíduo introduzir ou obrigar a pessoa idosa a assinar uma procuração, pode haver punição de reclusão de 2 a 4 ou 5 anos.

 

Cuidar das finanças da população 60+ é importante para que eles possam aproveitar a vida de uma forma estável e, consequentemente, terem bem-estar. Por isso, cuidar das pessoas idosas também envolve organização financeira, para que possam desfrutar de seus recursos financeiros de forma tranquila, estável e saudável. Tendo bem-estar, a pessoa idosa pode proporcionar um retorno financeiro e social para sua família ou para a instituição cuidadora.

 

As bases para o envelhecimento saudável são: alimentação saudável, se manter em movimento, cuidar da saúde mental, planejamento e equilíbrio financeiro.

 

As instituições financeiras têm que respeitar as orientações referentes à liberação de crédito sem comprometer a renda do devedoç

 
 

Os cuidados que um optante pelo empréstimo deve tomar

 
  • Fazer um planejamento financeiro (orçamento pessoal e familiar) para conhecer realmente a situação financeira pessoal ou familiar;

  • Pesquisar as taxas de juros e condições de pagamento em diversas instituições financeiras;

  • Saber se a instituição financeira está autorizada a funcionar pelo Banco Central e, no caso dos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS, se a instituição está conveniada com INSS;

  • Recusar intermediação de pessoas com promessas de acelerar o crédito e nunca passar informações pessoais;

  • Optante pelo empréstimo consignado deve lembrar que esse tipo de operação representa dívidas que poderão afetar a administração da renda pessoal e familiar futura, em razão do comprometimento mensal dos benefícios para com pagamento de juros e amortização do empréstimo.

  • É direito do aposentado ou pensionista receber informações como custo operacional do crédito, taxa de juros mensal ou anual, número e valor das prestações mensais e a soma de juros a pagar;

  • No ato de assinatura do contrato, o beneficiário deve exigir uma via do contrato, isso ajuda para que o idoso se organize e não seja cobrado além do acordado.

Educação financeira para pessoas idosas

 
 Optar por empréstimo consignado não planejado, seja para fechar as contas do mês ou para ajudar financeiramente o filho, neto ou outros membros da família pode distorcer e desestabilizar o orçamento da pessoa idosa, uma vez que o desconto é feito direto no pagamento.
 

Uma importante ferramenta para reduzir o risco de endividamento desse público é investir na educação financeira para o público 60+. Um exemplo é o Instituto Ânima Sociesc de Pesquisa, Inovação e Cultura, que conta com um projeto chamado “Universidade Aberta à Pessoa Idosa - Escola da Maturidade de Belo Horizonte” que oferece cursos sobre educação financeira para pessoas com mais de 60 anos.

 

O curso tem por objetivo mostrar ao público-alvo que a educação financeira é fundamental para que os mesmos possam organizar suas finanças, principalmente, chamar a atenção sobre o risco de endividamento e envolver os familiares no planejamento e controle do orçamento pessoal e familiar e assim evitar empréstimos.

 
 
 

Para pessoas que a única fonte de renda é aposentadoria, é muito importante ter consciência que ao contratar empréstimo consignado, o salário dos próximos meses ou anos será menor, e consequentemente, pode comprometer o orçamento financeiro para os próximos meses e anos.

 
 
 

É importante que as ILPIs prestem contas quanto ao uso dos recursos destinados à permanência dos idosos na instituição. É responsabilidade das ILPIs a preservação da estabilidade financeira e destinar os recursos financeiros do acolhido para sua manutenção na instituição. A mesma deve evitar contrair empréstimos em nome do acolhido, porque isso pode comprometer a capacidade financeira do acolhido em cumprir com a contribuição necessária para sua estadia no lar.

 
 
 
 
 

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